Wednesday, November 11, 2009

Farpas


Ramalho Ortigão e, principalmente, Eça de Queiróz, escreveram em conjunto uma espécie de revista de costumes, política e sociedade, por volta de 1870, que se prolongou nos anos seguintes até, julgo eu, 1882 - embora nos últimos anos apenas com os textos de Ramalho.
Ler "As Farpas", numa edição organizada por Maria Filomena Mónica, tem sido para mim um deleite intelectual sem precedentes próximos.
Trata-se da, penso eu, única vez em Portugal que se escreveu tão elegantemente e, ao mesmo tempo, de forma tão certeira sobre os portugueses.
Escreve ali Eça (no que viria mais tarde a dar o livro "Uma Campanha Alegre") como se visse os portugueses de fora e com uma barrigada de riso.
É certo que aquele distanciamento por vezes irrita, tal o desprezo quase niilista com que nos caracteriza, mas a Eça tudo se perdoa porque, literalmente, nos lambuzamos na prosa e ficamos dependentes dela.
Isto é um clássico e, embora correndo o risco de repisar um lugar comum, deve dizer-se - leiam os clássicos, está lá tudo!
Não temo afirmar que o portugal do século XIX é igualzinho ao do século XXI: a mesma ignorância, o mesmo desnorte, o mesmo desenrascanço, enfim, o mesmo atavismo.
Na politica, os Conselheiros Acácios; no povo, os mesmos analfabetos reverentes ao poder; nos Tribunais e na Lei, a mesma empáfia ingnorante e importância balofa, longe da realidade e do bom senso; na sociedade, a mesma miséria, o mesmo cinismo esperto, a mesma capacidade de espreitar a fraude e a oportunidadezinha ilícita; nas elites, o mesmo gosto grosseiro e diletante dos bacocos e saloios; nas universidades, a mesma presunção bafienta.
O que sobra? Responde Eça - rir e gozar.
Para mim não chega. Fico deprimido. Mas é um começo a caminho de alguma lucidez.

Labels:

0 Comments:

Post a Comment

<< Home